por Rodrigo Breunig
Ana acreditava
em milagres, em mulheres,
em frases mágicas,
em videntes, em espíritos,
no sal das coisas açucaradas, no segundo crepúsculo do dia,
na iminente morte do nosso planeta;
acreditava que os olhos humanos ainda não haviam visto tudo;
acreditava que o Diabo prefere ficar onde não estamos;
acreditava que um acontecimento impossível era
somente um acontecimento que ainda não acontecera;
tinha medo de carne crua, nevoeiros, umbigos, flautas, corujas, poesia,
brasa de marlboro, dinheiro, facas, auroras, homens, frutas pesadas;
e ao longo de seus trinta e três anos tinha lido três únicos livros:
O alquimista, O diário de um mago e Os sofrimentos do jovem Werther.
O viúvo de Ana, por sua vez, leu milhares de livros e acredita que
é possível não acreditar em nada e não ter medo de nada.

Rodrigo Breunig nasceu em Santa Cruz e atualmente mora em São Paulo. Traduziu mais de 50 livros de nomes como Jane Austen, Agatha Christie, Charles Bukowski e Jack Kerouac. É autor do romance A última noite das bicicletas (independente, 2020).
O poema inédito “Ana” é uma das 101 histórias do Livro dos leitores imaginários, de Rodrigo Breunig, que a editora Arquipélago lança no primeiro semestre de 2026.
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Créditos da imagem: Foto de Didier Descouens / crânio de coruja.
